António Jacinto (Luanda, Angola, 1924 – Lisboa, Portugal, 1991).
Destacou-se como poeta e
contista da geração Mensagem e, como membro do Movimento de Novos Intelectuais
de Angola, tendo colaborado com produções suas em diversas publicações
nomeadamente "Notícias do Bloqueio", "Itinerário", "O
Brado Africano"
Por questões políticas foi
preso em 1960 sendo desterrado para Campo do Tarrafal, em Cabo Verde, onde
cumpriu pena até 1972, ano em que foi transferido para Lisboa sendo-lhe imposto
o regime de liberdade condicional, por cinco anos.
Após a independência de
Angola foi co-fundador da União de Escritores Angolanos, e participou
activamente na vida política e cultural angolana, sendo Ministro da Cultura de
1975 a 1978.
Ganhou vários prémios literários.
in Lusofonia poética (excertos)
Carta de um Contratado
Eu
queria escrever-te uma carta
amor
uma
carta que disesse
deste
anseio
de
te ver
deste
receio de te perder
deste
mais que bem querer que sinto
deste
mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue...
Eu
queria escrever-te uma cara
amor
uma
carta de confidências íntimas
uma
carta de lembranças de ti
de
ti
dos
teus lábios vermelhos como tacula
dos
teus cabelos negros como dilôa
dos
teus olhos doces como macongue
dos
teus seios duros como maboque
do
teu andar de onça
e
dos teus carinhos
que maiores não encontrei por aí...
Eu
queria escrever-te uma carta
amor
que
recordasse nossos dias na capôpa
nossas
noites perdidas no capim
que
recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o
luar que se coava das palmeiras sem fim
que
recordasse a loucura
da
nossa paixão
e a amargura nossa separação...
Eu
queria escrever-te uma carta
amor
que
a não lesses sem suspirar
que
a escondesses de papai Bombo
que
a sonegasses a mamãe Kieza
que
a relesses sem a frieza
do
esquecimento
uma
carta que em todo Kilombo
outra a ela não tivesse merecimento...
Eu
queria escrever-te uma carta
amor
uma
carta que te levasse o vento que passa
uma
carta que os cajus e cafeeiros
que
as hienas e palancas
que
os jacarés e bagres
pudessem
entender
para
que se o vento a perdesse no caminho
os
bichos e plantas
compadecidos
de nosso pungente sofrer
de
canto em canto
de
lamento em lamento
de
farfalhar em farfalhar
te
levasse puras e quentes
as
palavras ardentes
as
palavras magoadas da minha carta
que eu queria escrever-te amor...
Eu
queria escrever-te uma carta...
Mas
ah meu amor, eu não sei compreender
por
que é, por que é, por que é, meu bem
que
tu não sabes ler
e eu - Oh! Desespero - não sei escrever também!
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