OS
JUÍZOS LIGEIROS DA IMPRENSA
“Incontestavelmente foi a imprensa, com a sua
maneira superficial e leviana de tudo julgar e decidir, que mais concorreu para
dar ao nosso tempo o funesto e já irradicável hábito dos juízos ligeiros.
Em
todos os séculos se improvisaram estouvadamente opiniões: em nenhum, porém,
como no nosso, essa improvisação impudente se tornou a operação corrente e
natural do entendimento. Com excepção de alguns filósofos mais metódicos, ou de
alguns devotos mais escrupulosos, todos nós hoje nos desabituamos, ou antes nos
desembaraçamos alegremente do penoso trabalho de reflectir.
É com impressões
que formamos as nossas conclusões.
Para louvar ou condenar em política o facto
mais complexo, e onde entrem factores múltiplos que mais necessitem de análise,
nós largamente nos contentamos com um boato escutado a uma esquina. Para
apreciar em literatura o livro mais profundo, apenas nos basta folhear aqui e
além uma página, através do fumo ondeante do charuto.
O
método do velho Cuvier, de julgar o mastodonte pelo osso, é o que adoptamos,
com magnífica inconsciência, para decidir sobre os homens e sobre as obras.
Principalmente para condenar, a nossa ligeireza é fulminante.
Com que
esplêndida facilidade exclamamos, ou se trate de um estadista, ou se trate de
um artista: “É uma besta! É um maroto!” Para exclamar: “É um génio!” ou “É um
santo!”, oferecemos naturalmente mais resistência.
Mas ainda assim, quando uma
boa digestão e um fígado livre nos inclinam à benevolência risonha, também
concedemos prontamente, e só com lançar um olhar distraído sobre o eleito, a coroa
de louros ou a auréola de luz”.
EÇA DE QUEIRÓS (Póvoa
do Varzim, Portugal, 1845 – Paris, França, 1900), in “Cartas de Paris”.
Imagem: pintura de Angela
Morgan
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