UMA
ESMOLINHA PELO AMOR DE DEUS
(QUEIXUMES
DE UMA TRÁGICA)
Dai esmola à pobrezinha,
Que já foi nova e bonita;
Socorrei quem vos implora
Na sua infausta desdita!
Acudi por compaixão,
Ó bondosos benfeitores,
Mitigai as minhas dores
Com
a esmolinha bendita!
Eu que fiz por tantos anos
De duquesa e de rainha,
Não vejo chapa,
há três meses,
Daquela empresa daninha!
Três meses! duzentas libras!
Que miséria ser artista!
Mais valia ser corista,
Ou
criada de cozinha!
Sobre os pés do Teodorico
Eu dobrei os meus joelhos,
Supliquei que se lembrasse
Dos que são amigos velhos,
Mas fez ouvidos de mouco
À minha triste miséria,
E, deitando cara séria,
Deu-me
apenas bons conselhos.
Hoje, imersa na penúria
De algum prédio e inscrições
Que nem dão para uma família
Comer uns magros feijões
Vou pedindo à caridade
Que se lembre da mesquinha,
Que trinta anos foi rainha
No
trono dos dramalhões.
Zebedeu
in “O António
Maria” – Jornal de humor político, editado e dirigido por Rafael Bordalo
Pinheiro (1846-1905) – edição de 4 de Setembro de 1879 – HML.
Imagem: pintura de Amedeo
Modigliani (Livorno, Itália, 1884 – Paris, França, 1920).
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