CONFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
(para os alunos dos liceus)
O corpo humano – A cabeça
A cabeça no corpo humano é, meninos e meninas, aquela parte arredondada e cabeluda que pega com o resto do corpo por meio do pescoço. Não é difícil de conhecer, pois que não se confunde em geral com as outras partes; além disso, contando-se de cima para baixo ela é a primeira, e de baixo para cima é a última.
As características do arredondado e do cabeludo podem não ser suficientes, porquanto há outros órgãos redondos e a cabeça careca não costuma ter cabelo; mas a ordem natural que deixo indicada não falha nunca, se o corpo está na posição normal.
Compôe-se a cabeça de crânio e face. O crânio encerra o que vulgarmente se chama mioleira, substância de composição pouco conhecida, sabendo-se, entretanto, que na de algumas pessoas predomina a areia, na de outras a pederneira, o lixo, etc. Há crânios completamente desprovidos de mioleira, e não são esses os mais raros; pertencem, com poucas excepções às pessoas felizes, mais conhecidas por tolas.
A cara tem várias denominações, segundo os indivíduos que a possuem ou as circunstâncias em que se apresentam: há as caras direitas ou unhacas, as caras estanhadas, as caras de caso, etc. Todos sabem que os acidentes principais da cara são a testa, os olhos, o nariz, as maçãs do rosto, a boca, o queixo e as orelhas.
Nota-se imediatamente que destes acidentes três são aos pares: os olhos, as orelhas e as maçãs, o que se explica porque o homem necessita de ver e ouvir bem, assim como apanhar o seu par de bofetadas de vez em quando.
Duas bocas, por exemplo, seriam de mais, sobretudo neste tempo, em que para se satisfazer uma só, se gastam rios de dinheiro; dois narizes também arrastariam vários inconvenientes, entre eles o de duplicar a entrada das partículas mal cheirosas espalhadas na atmosfera, o que em Lisboa seria, decerto causa de incidentes fatais.
Eis o que hoje se me oferece dizer com respeito à cabeça humana. O órgão insignificante – a cabeça de porco, por exemplo, é muito mais apreciada – e cuja ausência seria para o género humano de decidida vantagem, conforme se deduz do conhecido pregão: quem não tem cabeça não paga nada. Tenho dito.
Bonaparte
(Aluno do liceu Camões)
in “Século Cómico”, suplemento
humorístico do jornal “O Século” - 1916
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