AMÁLIA RODRIGUES
(Lisboa, Portugal, Julho de 1920 – Outubro
de 1999)
O
DIA EM QUE AMÁLIA RODRIGUES IA SENDO PRESA
Finais dos anos 60, na
"Adega Machado" (casa de fado de renome mundial). Todas as noites, ao
fim de fado e folclore, o espectáculo fechava sempre com a "Marcha do
Machado", uma brincadeira que levava à escolha de pessoas do público para
interagirem numa mini marcha popular com os artistas da casa.
Numa noite em que Amália
Rodrigues jantava na "Adega Machado", um dos bailarinos escolheu-a e
a diva do fado encabeçou a marcha, sorridente, com arco e balão na mão. Espontânea, como sempre, sem avisar, resolveu
sair do restaurante, levando a trás bailarinos, clientes, fadistas,
guitarristas e empregados de mesa que decidiram alinhar na brincadeira. O
inédito aconteceu: a "Marcha do Machado", acabou por seguir Bairro
Alto fora, com Amália à frente e uma legião de muitos desconhecidos a
acompanhar.
"Estão todos presos!"
Num cruzamento da Rua da
Atalaia com a Travessa da Queimada, dois "polícias de giro" (na
altura, nome que se dava aos agentes de bairro) interceptaram a marcha. Sob a
velha máxima pré-25 de Abril, declararam: "Mais do que duas pessoas é um
ajuntamento... ou uma manifestação comunista. Está tudo preso!".
A marcha parou, o silêncio
deu lugar à euforia anterior. Entre olhares temerosos, todos se preparavam para
passar uma noite na esquadra quando surgiu, por acaso, o chefe da esquadra da
Mercês, celebrizado com a alcunha de "o bailarino" (segundo consta
que tinha boa esquiva e usava passos de bailarino nas suas intervenções). Ao
ver o grupo, ouviu a explicação dos seus agentes e concordou com a detenção...
até que viu quem encabeçava a brincadeira.
Chefe: Mas é a dona Amália
Rodrigues numa manifestação?
Amália: Sou, sim senhor.
Mas isto não é uma manifestação, é só a "Marcha da Adega Machado".
Chefe: Bem, se é a dona
Amália que vai à frente, então siga a marcha!
Quebrou-se o silêncio,
voltou-se a cantar e a marcha seguiu até à "Adega Machado" com três
novos marchantes (embevecidos pela rainha das fadistas): os três temidos
polícias. Sem sequer cantar o fado, com o seu dom de arrastar multidões, Amália
acabou por ser, como sempre, a estrela da noite.
Vital d'Assunção, in “Histórias giras do fado” – 2010
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