AMÁLIA RODRIGUES
(Lisboa, Portugal, Julho de 1920 – Outubro
de 1999)
Os automóveis, poucos
àquela hora, vão parando lentamente. Grupos de populares, em semicírculo,
juntam-se silenciosos defronte de um pequeno prédio na Rua de São Bento, em
Lisboa: o número 193. São cinco da madrugada.
O céu começou a clarear e
a cidade a recortar-se. Mulheres e homens adiam o caminho, suspensos, ali, por
uma voz em ecos abissais. O ambiente ganha vibrações fantasmáticas.
Pouco antes de morrer,
Amália, Amália Rodrigues, a genial cantora do século XX, refugia-se, doente,
nos seus discos, que repete continuamente, obsessivamente – contra a dor e a
inquietação. As últimas noites são passadas assim. Sem dormir, ela ouve-se,
ouve-se, e a voz sai pelas janelas, e envolve os que passam, maravilhando-os,
dilatando-os.
Uníssona, a multidão
rebentará depois em aplausos, desconcertando Amália, que se ergue, se dirige à
varanda, se acena sob sorrisos e lágrimas. Milagres aconteceram-lhe sempre, que
inexplicável lhe foi o destino – sempre.
Fernando Dacosta – “Amália – Ressurreição”
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