AMÁLIA RODRIGUES
(Lisboa, Portugal, Julho de 1920 – Outubro de
1999)
Camões deu-nos a língua, Pessoa o pensamento, Amália a voz. Eles constituem o
triângulo mágico da nossa identidade, são traves mestras da cultura que nos
individualizou, universalizou. Nem todos o terão, no entanto, entendido, pois a
generalidade não configurou essa associação nem a importância, nela, de Amália
Rodrigues. É costume tal acontecer aos excepcionais.
A
cantora tinha uma presença única no mundo da música. Todas as transformações
que lhe introduziu foram – embora gostasse de afirmar o contrário –
cuidadosamente estudadas e encenadas por si. Como a saia, o xaile, a blusa, até
aí em uso pelas fadistas não correspondessem ao que ambicionava, rompeu com a
tradição e, na opereta Mouraria (que
protagonizou com Alberto Ribeiro, em 1946), envergou um vestido comprido negro.
A surpresa foi total.
Amália
não apreciava actuar, por escassez de espaço, em retiros e casas de fado, pois
precisava de uma zona-de-ninguém entre
si e o público que lhe rolasse a voz antes de chegar aos outros, para melhor
chegar. Seria o palco tornar-se-lhe altar de transfiguração e o vestido
comprido preto essência de postura; depois, apaixonada pela grande poesia,
introduziu-a no seu reportório, a que compositores de génio, como Alain Oulman,
deram superior intemporalidade.
Oulman
conheceu Amália Rodrigues em 1962, num terreno de campismo selvagem onde ela
passava férias, na foz do rio Lisandro, junto à Ericeira, que comprara. Um dos
seus objectivos ao procurá-la era levá-la a interpretar os poetas cimeiros de
língua portuguesa. Assim aconteceu e assim surgiram discos seus com criações do
autor de Os Lusíadas, de Cecília
Meireles, de David Mourão Ferreira, de Pedro Homem de Melo, de Manuel Alegre,
de Alexandre O´Neill, de Ary dos Santos. «Cantei-os porque para mim eram
fados», justificou Amália.
Os
seus lados ao mesmo tempo solares e nocturnos levavam-na com frequência da
alegria à inquietação, da vitalidade à apatia, da sensualidade ao
acabrunhamento, do profundo ao epidérmico, conseguindo nesse desdobramento
agarrar elites e multidões como ninguém o logrou entre nós. De Erros Meus (Camões) ao Cochicho da Menina (popular) ela viajou
por todos os registos e públicos numa diversidade sem matemática.
«As pessoas gostam de ouvir historiazinhas. As coisas que exigem reflexão são as que menos tocam as massas, é preciso, por isso, doseá-las», afirmará.
«As pessoas gostam de ouvir historiazinhas. As coisas que exigem reflexão são as que menos tocam as massas, é preciso, por isso, doseá-las», afirmará.
Fernando Dacosta, in “AMÁLIA – A RESSURREIÇÃO"
Imagem:
fotografia de Eduardo Malta
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