AMÁLIA RODRIGUES
(Lisboa, Portugal, Julho de 1920 – Outubro
de 1999)
GRITO
Silêncio!
Do silêncio faço um grito
O corpo todo me dói
Deixai-me
chorar um pouco.
De sombra a sombra
Há um Céu...tão recolhido...
De sombra a sombra
Já lhe perdi o
sentido.
Ao céu!
Aqui me falta a luz
Aqui me falta uma estrela
Chora-se mais
Quando se vive
atrás dela.
E eu,
A quem o sol esqueceu
Sou a que o mundo perdeu
Só choro agora
Que quem morre
já não chora.
Solidão!
Que nem mesmo essa é inteira...
Há sempre uma companheira
Uma profunda
amargura.
Ai, solidão
Quem fora escorpião
Ai, solidão
E se mordera a
cabeça!
Adeus
Já fui para além da vida
Do que já fui tenho sede
Sou sombra triste
Encostada a
uma parede.
Adeus,
Vida que tanto duras
Vem morte que tanto tardas
Ai, como dói
A solidão quase
loucura.
Amália Rodrigues
Imagem: pintura
de Marina Mourão
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