sábado, 18 de novembro de 2017

JOÃO DE MELO - Poema encontrado por aí




JOÃO DE MELO
(Achadinha, Ilha de São Miguel, Açores, Portugal, 1949)

Escritor e poeta

Licenciado em Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa em 1981, exerceu depois a actividade de director editorial e de crítico literário.
É autor de obras de ficção, antologias, poesias e ensaios.
Gente Feliz com Lágrimas, o seu romance mais conhecido, foi adaptado ao teatro pelo grupo “O Bando”, e a telefilme pelo realizador José Medeiros.

***

POEMA ENCONTRADO POR AÍ

Sento-me em Lisboa, nasce-me a dor
precisamente ao centro: sinto o eixo
rasgar-se em mim. E depois meu amor
desisto e pronto: há como que um desleixo
nisto de estar vivo - sentado à vida
e nada já aqui me pertencer.
Revejo-a ao longe atenta e comovida
conheço a casa, a rua, a mesa e o ser.
E o ser é uma longa desistência,
amor, o saber só nosso e secreto
de que para isto não há ciência
nem cura. Como um desejo concreto
de partir e não saber para onde,
assim a vontade é um abandono:
um não-estar aqui que em mim se esconde,
uma passagem entre a vigília e o sono.
Como hei-de chorar por ti se afinal
nada de mais belo há do que o modo
altivo de um rosto que além do mal
do amor e seus trabalhos acomodo
dentro de mim? Meu Deus como eu te amo
no pranto e na alegria! O pensamento
dói-se do que sente, o meu desengano
pensa a dor, o coração o sentimento.
Não me basta o elogio da amada.
Ela virá e eu todo em mim a cantarei.
Canto a menina, digo, a mulher sentada
no leito e aberta à flor que nela amei.
Senhora, ir do canto à eternidade
é o que mais desespera o trovador;
Para morrer por si não tenho idade,
mas como viver sem o seu amor?

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