JOÃO DE MELO
(Achadinha, Ilha de São Miguel, Açores, Portugal, 1949)
Escritor e poeta
Licenciado em Filologia Românica na Faculdade de Letras
de Lisboa em 1981, exerceu depois a actividade de director editorial e de
crítico literário.
É autor de obras de ficção, antologias, poesias e
ensaios.
Gente
Feliz com Lágrimas, o seu romance mais conhecido, foi
adaptado ao teatro pelo grupo “O Bando”, e a telefilme pelo realizador José
Medeiros.
***
POEMA ENCONTRADO POR AÍ
Sento-me
em Lisboa, nasce-me a dor
precisamente
ao centro: sinto o eixo
rasgar-se
em mim. E depois meu amor
desisto
e pronto: há como que um desleixo
nisto
de estar vivo - sentado à vida
e
nada já aqui me pertencer.
Revejo-a
ao longe atenta e comovida
conheço
a casa, a rua, a mesa e o ser.
E
o ser é uma longa desistência,
amor,
o saber só nosso e secreto
de
que para isto não há ciência
nem
cura. Como um desejo concreto
de
partir e não saber para onde,
assim
a vontade é um abandono:
um
não-estar aqui que em mim se esconde,
uma
passagem entre a vigília e o sono.
Como
hei-de chorar por ti se afinal
nada
de mais belo há do que o modo
altivo
de um rosto que além do mal
do
amor e seus trabalhos acomodo
dentro
de mim? Meu Deus como eu te amo
no
pranto e na alegria! O pensamento
dói-se
do que sente, o meu desengano
pensa
a dor, o coração o sentimento.
Não
me basta o elogio da amada.
Ela
virá e eu todo em mim a cantarei.
Canto
a menina, digo, a mulher sentada
no
leito e aberta à flor que nela amei.
Senhora,
ir do canto à eternidade
é
o que mais desespera o trovador;
Para
morrer por si não tenho idade,
mas como viver sem o seu amor?
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