AMÉLIA REY COLAÇO
(Lisboa, Portugal, 1898 - 1990)
Encenadora,
actriz, empresária
***
Em 1955 veio uma grande
aventura, a Companhia Rey Colaço Robles Monteiro teve a sua apresentação
parisiense, integrando-se no Festival Internacional du Théâtre des Nations,
representando, no Théâtre Hébertot, em 21 de Junho, Tá Mar, o poema de costumes da Nazaré, um deslumbramento de linguagem
teatral de Alfredo Cortez, que é, sem dúvida, o mais importante dramaturgo
português do século XX, portanto a mais acertada das escolhas. (…)
AMÉLIA REY COLAÇO:
Foi
mesmo uma aventura. Recebemos aquele honroso convite de nos apresentarmos no Festival, em Paris, e achámos que podíamos levar até lá um bonito espectáculo. Mas não
tínhamos subsídios para transportar a Companhia, artistas e técnicos, com o
SNI [Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo] não podíamos contar, que nos disse logo que
não tinha dinheiro, pois não íamos representar oficialmente Portugal, éramos
uma Companhia privada. (…)
Arranjámos
então uma grande camioneta, para levar artistas, técnicos, trajos, cenários, e
lá fomos rumo a Paris. (…)
Na
véspera do nosso espectáculo, apresentou-se o Berliner Ensemble, com o
Círculo de Giz Caucasiano, do Bertolt
Brecht [1898-1956], e eu fiquei
assombrada, era um espectáculo de uma tal beleza que nem consegui dormir toda a
noite, só pensava como é que depois de um tão maravilhoso conjunto, de tais
cenários e actores, íamos ter a coragem de nos apresentar ao público de Paris.
Até havia uma recepção, julgo que organizada pelo Festival, e eu podia ter conhecido o Brecht, mas
estava esmagada por aquela representação, e como tínhamos espectáculo no dia
seguinte, não fui.
Mas
felizmente o Tá Mar correu muito bem.
E na véspera o Brecht esteve o tempo todo à minha volta, no Théâtre Sarah
Bernhardt, e ele sabia quem eu era e eu apetecia-me tanto falar com ele, mas
como sou um bocado tímida, não tive coragem.
Depois
fiz tudo, mas tudo, para representar a Mãe Coragem, estão aí as cartas que o comprovam, e tentei várias vezes, em vários
anos. A Mãe Coragem era a ambição máxima
da minha carreira, pelo papel, pela peça, pelo Brecht, que era um autor que eu julgava
ser minha obrigação dar a conhecer ao público português, mas sempre me recusaram.
Foi triste porque lutei muito, mas era talvez uma ambição demasiada, Meteu-se o
Erwin Meyenburg, que era alemão, e também nada conseguiu. Até fui ao Festival
de Avignon ver a Mère Courage,
encenada pelo Jean Vilar.
E
mandei fazer várias traduções, foi uma enorme luta, começada em Dezembro de
1955 e mais forte em 1958 e 1959, até que tive de renunciar, disseram-me do
Ministério, com firmeza, que aquele texto não se podia representar no Teatro
Nacional, que era uma peça anti-militarista e nós tínhamos uma guerra.
E
eu via-me naquela mulher, passando por todas as humilhações, sempre puxando a
sua carroça, indiferente a tudo. Considero esta derrota da Mãe
Coragem a maior derrota de toda a minha
carreira como actriz e como empresária. Sofri muito por causa dessa peça.
Ainda
bem que foi representada pela nossa grande Eunice Muñoz, uma actriz que começou
comigo aos treze anos e na qual me orgulho de logo ter pressentido o génio [5
de Junho de 1986]. Em todos os meus anos
de teatro, que foram muitos, foi ela o único génio que me passou pelas mãos.
in “O Veneno do Teatro ou conversas com Amélia Rey
Colaço" (excertos)
Autor: VÍTOR PAVÃO DOS SANTOS (Lisboa, Portugal, 1937), teatrólogo,
museólogo e biógrafo.
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