MILLÔR FERNANDES
(Rio de Janeiro, Brasil, 1923 - 2012)
Dramaturgo,
humorista, poeta, artista plástico
***
Pensar
Custa
Pensar
é a todo momento e a todo custo. Pensar dói, cansa e só traz aborrecimentos.
Melhor é não pensar. Mas pensar não é facultativo. Se o cérebro, a mínima parte
dele que seja, deixa de estar alerta por um momento, penetram lá, como
parasitas difíceis de erradicar, «ideias» vindas da imprensa, do rádio, da
televisão, da propaganda geral, dos produtos em série, do consumo degenerado,
dos doutores em lei, arte, literatura, ciência, política, sociologia.
Essa
massa de desinformação, não só inútil como nociva, nos é, aliás, imposta de
maneira criminosa nos primeiros anos de nossa vida.
E
se, algum dia, chegamos a pensar no verdadeiro sentido do termo, todo o
restante esforço da existência é para nos livrarmos de uma lamentável herança
cultural. Pois, infelizmente, o cérebro humano é um dos poucos órgãos do corpo
que não têm uma válvula excretora. E as fezes culturais ficam lá, nos
envenenando pelo resto da vida, transformando o mais complexo e mais nobre
órgão do corpo numa imensa fossa, imunda e fedorenta. Um lamentável erro da
Criação.
in
"O Livro Vermelho dos Pensamentos de Millôr"
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