STENDHAL
(França, 1783 - 1842)
Escritor
***
Henry Beyle, que alcançou
a imortalidade na literatura sob o pseudónimo de Stendhal, foi acima de tudo um
espectador apaixonado, caloroso sob uma timidez inata, lúcido e quase cínico,
do seu próprio tempo. As circunstâncias proporcionaram ao seu talento
irrequieto e estranho um dos mais ricos panoramas vivos da história.
Protegido por Daru, grande
admirador das campanhas napoleónicas, foi pela primeira vez à Itália que nunca
mais deixou de ser a pátria decorativa e ardente da sua fantasia.
Assistiu ao incêndio de
Moscovo e à derrocada de Napoleão, observou com realismo intelectual as
tragédias da guerra, correu aventuras e amores em muitos destinos. De tudo lhe
ficou uma cruel frieza para conhecer até ao fundo as misérias e grandezas do
ser humano, um amoralismo que só no movimento desencadeado da acção e das
paixões se compraz – e um aborrecimento doentio para a vida calma a que teve de
sujeitar-se daí em diante.
Além dos romances Le Rouge et le Noir e La Chartreuse de Parme, em que as suas
espantosas qualidades de vivificador, de personagens em movimento e em paixão
se aliam a alguns defeitos igualmente fortes, Stendhal publicou ainda os
romances Armance, Vanina Vanini, Les
Cenci, L´Abesse de Castro – obras de movimento desencadeado e fremente,
saturados de acção, de paixões arrebatadas, de ódios inexpiáveis, de energia
por vezes brutal e quase sempre cega nas vidas que representa: e livros de
viagens como Mémoires d´un turiste ou
de história literária, como Racine et
Shakespeare.
Como romancista, a obra de
Stendhal situa-se numa surpreendente diversidade de sentidos, entre a
literatura do século XVIII, em que colheu muito da sua ideologia estética e
moral sobre a natureza humana, o romantismo que lhe comunicou a exuberância e o
fogo, e um naturalismo antecipado pelo vigor com que rebusca as fatalidades temperamentais,
a fisiologia dos sentimentos e a verdade dos costumes. O romance, como ele mesmo
disse, «c´est un miroir que l´on promène le long d´un chemin».
Álvaro Salema, in “Mundo Literário” - 1946 (excertos)
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