CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
(Itabira, Brasil, 1902 - Rio de Janeiro, 1987)
Poeta, contista
***
A OPINIÃO EM PALÁCIO
O Rei fartou-se de reinar
sozinho e decidiu partilhar o poder com a Opinião Pública.
― Chamem a Opinião Pública
― ordenou aos serviçais.
Eles percorreram as praças
da cidade e não a encontraram. Havia muito que a Opinião Pública deixara de
frequentar lugares públicos. Recolhera-se ao Beco sem Saída, onde,
furtivamente, abria só um olho, isso mesmo lá de vez em quando.
Descoberta, afinal, depois
de muitas buscas, ela consentiu em comparecer ao Palácio Real, onde Sua
Majestade, acariciando-lhe docemente o queixo, lhe disse:
― Preciso de ti.
A Opinião, muda como
entrara, muda se conservou. Perdera o uso da palavra ou preferia não
exercitá-lo. O Rei insistia, oferecendo-lhe sequilhos e perguntando o que ela
pensava disso e daquilo, se acreditava em discos voadores, horóscopos,
correcção monetária, essas coisas. E outras. A Opinião Pública abanava a
cabeça: não tinha opinião.
― Vou te obrigar a ter
opinião ― disse o Rei, zangado.
― Meus especialistas te
dirão o que deves pensar e manifestar. Não posso mais reinar sem o teu
concurso. Instruída devidamente sobre todas as matérias, e tendo assimilado o
que é preciso achar sobre cada uma em particular e sobre a problemática geral,
tu me serás indispensável.
E virando-se para os
serviçais:
― Levem esta senhora para
o Curso Intensivo de Conceitos Oficiais. E que ela só volte aqui depois de
decorar bem as apostilas.
in “Contos Plausíveis”
Imagem: Carlos Drummond de Andrade - pintura de Mazé Leite.
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