sexta-feira, 13 de abril de 2018

LUÍS DE MONTALVOR - Entardecer



LUÍS DE MONTALVOR
(S. Vicente, Cabo Verde, 1891, Lisboa, Portugal, 1947) 
Poeta, editor

***

Muito novo veio para Lisboa, onde estudou.
No Brasil foi secretário de Bernardino Machado, ao tempo ministro plenipotenciário de Portugal.
Tendo regressado a Lisboa, com Ronald de Carvalho fundou a revista Orpheu. Lançou ainda a revista Centauro e a Editorial Ática, revelando-se um inovador nas artes gráficas.
Tendo-se estreado com Noite de Satã, publicou ainda A Caminho e Poemas.


in “Século XXI”
***

Entardecer

Sol-posto ungindo o mar: incensos de ouro!
Recolhe funda a tarde em sonho e mágoa.
Surdina fluida: anda o silêncio a orar –
E há crepúsculos de asas e, na água,
O céu é mármore extático a cismar!
E nas faces marmóreas dos rochedos
Esboçam-se perfis,
- Cintilações,

Penumbra de segredos!
Ó painéis de nuvens sobre a terra,
Ogivas delirantes
Na água refractando…
Encheis de sombra o mar de espumas rasas,
Iniciando
A hora pânica das asas!


E, à meia-luz da tarde,
Na areia requeimada,
São vultos sonolentos
As proas dos navios…

Ó tristeza dos balões
Iluminando,
Na água prateada,
Os pegos e baixios…

Dormentes constelações
Que, em fundos lacustres
E musgosos,
Pondes reverberações
Em nossos olhos ansiosos.

Ó tardes de aquático esplendor,
Descendo em meu olhar!

Num sonho de regresso,
Numa ânsia de voltar,
Em mim todo me esqueço
E fico-me a cismar.

A tarde é toda um sonho moribundo.
É já olor da cor que amorteceu.
O céu vive no mar: sono profundo.
A asa do rumor no ar adormeceu!







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