PADRE ANTÓNIO
VIEIRA
(Lisboa, Portugal, 1608 - Salvador, Brasil,1697)
Escritor, filósofo, orador
***
Os Dois Cepos
Foi um homem ao mato, diz Isaías
(…), e o seu intento era ir buscar um madeiro para fazer um ídolo. Olhou para
os cedros, para as faias, para os pinhos, para os ciprestes; cortou, donde lhe
pareceu, um tronco, e trouxe-o para casa.
Partindo o tronco em duas
partes, ou em dois cepos, a um destes cepos meteu-lhe o machado e a cunha,
fendeu-o em achas, fez fogo com elas, e aquentou-se, e cozinhou o que havia de
comer.
Ao outro cepo pôs-lhe a regra;
lançou-lhe as linhas; debastou-o; e tomando, já o maço e o escopro, já a goiva
e o buril, foi-o afeiçoando em forma humana; alisou-lhe uma testa; rasgou-lhe
uns olhos; afilou-lhe um nariz; abriu-lhe uma boca; ondeou-lhe uns cabelos ao
rosto; foi-lhe seguindo os ombros, os braços, as mãos, o peito e
o resto do corpo até aos pés. E feito em tudo uma figura humana, pô-lo sobre o
altar e adorou-o.
Pasma
Isaías da cegueira deste escultor, e eu também me admiro dos que fazem o que
ele fez.
Um
cepo, conhecido por cepo, feito homem, e posto em lugar onde há-de ser adorado?
Duas metades do mesmo tronco, uma ao fogo outra ao altar? Se são dois cepos,
por que não haveis de tratar ambos como cepos? Mas que um cepo haja de ter a
forma de cepo e vá em achas ao fogo, e que o outro cepo, tão madeiro, tão
tronco, tão informe e tão cepo como o outro, o haveis de fazer à força homem, e
lhe haveis de dar autoridade, respeito, adoração, divindade?
in “Sermões”
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