José Cardoso Pires (São João do Peso, Castelo Branco, Portugal, 1925 – Lisboa, Portugal, 1998) é um dos mais
importantes escritores portugueses contemporâneos.
Excerto da carta de José Cardoso Pires ao Director
dos Serviços de Censura:
Por
ordem de V. Exa. foi o meu livro HISTÓRIAS DE AMOR proibido de circular.
Por ordem, ao que creio, do Ministério do Interior e em complemento da decisão
de V. Exa. sobre a citação da obra, foi encarregada da apreensão a PIDE.
A
intervenção inesperada desta Polícia Especial num assunto de índole
exclusivamente literária é de todo o ponto injustificada e veio dar à questão
um significado que lhe é totalmente alheio, podendo, em síntese, definir-se
como atitude abusiva de direito policial.
Em
verdade, não vejo eu – nem a Censura, ao que parece – que em HISTÓRIAS DE AMOR
se atente por qualquer forma contra a segurança do Estado. Tão-pouco me parece
motivo de polícia a atitude de um escritor português que se debruça sobre
aspectos reais e concretos da realidade portuguesa, condenando, por exemplo, o
adultério (Week-end), a vadiagem de pior extracção (Ritual dos Pequenos
Vampiros), o amor clandestino (Rapariga dos Fósforos), etc. – aspectos da
realidade quotidiana que qualquer moral consequente ataca. Muito pelo
contrário, entendo que tal atitude é meritória e vem em abono dos mais
elementares princípios morais. Nunca, seja em que caso for, ela seria objecto
de Polícia e muito menos de Polícia Especial.
Não
é meu propósito fixar-me aqui em considerandos que com justiça viessem sublinhar
a ilógica intromissão da PIDE no caso. Permito-me apenas trazer ao conhecimento
de V. Exa. este meu necessário protesto, certo de que, como Director de um
organismo destinado expressamente a tratar de direito de assuntos literários,
não deixará de lhe dar a merecida atenção. Isto porque cuido que os Serviços de
Censura, sob a Direcção de V. Exa., não são de modo algum instrumento activo de
política sectária mas um «meio de harmonizar o trabalho dos escritores com a
lei e os superiores interesses da Nação».
José Cardoso Pires, in “Histórias de Amor”
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