Jorge de Sena (Lisboa,
Portugal, 1919 – Santa Bárbara, Califórnia, 1978). Foi poeta, dramaturgo,
tradutor, ensaísta e professor universitário.
Palavras
de Jorge de Sena:
“Que adianta dizer-se
que é um país de sacanas? Todos os são, mesmo os melhores, às suas horas, e todos
estão contentes de se saberem sacanas.”
Camões dirige-se aos seus contemporâneos
Podereis
roubar-me tudo:
as ideias, as
palavras, as imagens,
e também as
metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e
a primazia
nas dores
sofridas de uma língua nova,
no entendimento
de outros, na coragem
de combater,
julgar, de penetrar
em recessos de
amor para que sois castrados.
E podereis
depois não me citar,
suprimir-me,
ignorar-me, aclamar até
outros ladrões
mais felizes.
Não importa
nada: que o castigo
será terrível.
Não só quando
vossos netos
não souberem já quem sois
terão de me
saber melhor ainda
do que fingis
que não sabeis,
como tudo, tudo
o que laboriosamente pilhais,
reverterá para
o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu,
contado como meu,
até mesmo
aquele pouco e miserável
que, só por
vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis,
mas nada: nem os ossos,
Que um vosso
esqueleto há-de ser buscado,
Para passar por
meu. E para os outros ladrões,
Iguais a vós,
de joelhos, porem flores no túmulo.
Jorge de Sena
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