Séneca (Córdoba, Espanha,
4 a.C. – Roma, Itália, 65 d.C.).
Foi filósofo, escritor, mestre da arte de retórica e magistrado
criminal, durante o Império Romano.
Palavras de Séneca:
“O que pensas de
ti próprio é muito mais importante do que o que os outros pensam de ti.”
Regras de conduta
para Viver sem sobressaltos
Vou indicar-te quais as regras de conduta a seguir
para viveres sem sobressaltos. (...)
Passa em revista quais as maneiras que
podem incitar um homem a fazer o mal a outro homem: encontrarás a esperança, a
inveja, o ódio, o medo, o desprezo. De todas elas a mais inofensiva é o
desprezo, tanto que muitas pessoas se têm sujeitado a ele como forma de
passarem despercebidas.
Quem despreza o outro calca-o aos pés, é evidente, mas
passa adiante; ninguém se afadiga teimosamente a fazer mal a alguém que
despreza. É como na guerra: ninguém liga ao soldado caído, combate-se, sim,
quem se ergue a fazer frente.
Quanto às
esperanças dos desonestos, bastar-te-á, para evitá-las, nada possuíres que
possa suscitar a pérfida cobiça dos outros, nada teres, em suma, que atraia as
atenções, porquanto qualquer objecto, ainda que pouco valioso, suscita desejos
se for pouco usual, se for uma raridade.
Para escapares à inveja deverás não
dar nas vistas, não gabares as tuas propriedades, saberes gozar discretamente
aquilo que tens.
Quanto ao ódio, ou derivará de alguma ofensa que tenhas feito
(e, neste caso, bastar-te-á não lesares ninguém para o evitares), ou será
puramente gratuito, e então será o senso comum quem te poderá proteger.
Esta
espécie de ódio tem sido perigosa para muita gente; e alguns despertaram o ódio
dos outros mesmo sem razões de inimizade pessoal. Para te protegeres deste
perigo recorrerás à mediania da tua condição e à brandura do teu carácter: faz
com que os outros saibam que tu és um homem que não exerce represálias mesmo se
ofendido; não hesites em fazer as pazes com toda a sinceridade.
Ser temido, é
uma situação tão ingrata em tua própria casa como no exterior (...) Para causar
a tua ruína qualquer um dispõe de força que baste. E não te esqueças que quem
inspira medo sente ele próprio medo: ninguém pode inspirar terror e sentir-se
seguro!
Resta
considerar o desprezo: mas cada um, se deliberadamente se sujeitar a ele, se
goza de pouca consideração porque quer, e não porque o mereça, tem na sua mão a
faculdade de regular a sua intensidade.
Os inconvenientes do desprezo podem ser
atenuados ou pela prática de boas acções ou pelas relações de amizade com
pessoas que tenham influência sobre alguém especialmente influente; será útil
cultivar tais amizades, sem no entanto nos deixarmos enredar por elas, não vá a
protecção sair-nos mais cara do que o próprio risco.
Não há,
contudo, forma mais eficaz de protecção do que remetermo-nos à vida privada,
evitando o mais possível falar com os outros, e falando o mais possível apenas
com nós próprios.
A conversação tem um poder de atracção subreptício e sedutor,
e leva-nos a revelar os nossos segredos com a mesma facilidade que a embriaguez
ou a paixão.
Ninguém é capaz de calar tudo quanto ouviu, mas também não
reproduz exactamente tudo quanto ouviu; e quem não é capaz de guardar para si a
informação também não é capaz de manter secreto o nome do seu autor.
Cada um de
nós tem sempre alguém em quem deposita tanta confiança como em si próprio; no
entanto, embora refreie a tagarelice natural e se contente em falar para um só
ouvinte, o resultado é o mesmo que se falasse em público: em breve o que era
segredo está transformado em boato!
Séneca, in "Cartas a Lucílio"
Imagem: pintura de Edgar Degas (Paris, França, 1834 – 1917)
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