A filha do lavrador
Era uma vez um príncipe; todas as vezes que vinha
lavar-se à varanda do seu quarto, via defronte a filha de um lavrador, que era
muito linda. Ora naquele tempo a verdadeira nobreza era a dos lavradores, e por
isso o príncipe falava para ela, e dizia:
– Deus vos salve, filha de lavrador.
– E a vós, príncipe e real senhor.
Ele conversava
para ela, e perguntou-lhe se não queria encontrar-se na grande feira do ano,
que se fazia? Ela disse que não, mas pediu licença ao pai, foi adiante e
meteu-se no quarto da estalagem onde havia de pernoitar o príncipe. Quando
disseram ao príncipe que estava ali uma mulher, ele respondeu:
– É o mesmo.
Entrou para o
quarto; viu uma moça muito linda, mas não a conheceu. Apagou a luz e ficaram
toda a noite juntos. Pela manhã muito cedo ela arranjou-se para partir, e o
príncipe perguntou-lhe o que é que ela queria em lembrança daquela noite; ela
pediu-lhe a espada. O príncipe não teve remédio senão dar-lha. Passados dias, o
príncipe fez os mesmos cumprimentos:
– Deus vos
salve, filha de lavrador.
– E a vós
também, real senhor.
– Então a
menina não vai amanhã à romaria, para se encontrar lá comigo?
Ela disse que
não, mas foi adiante e com tal jeito que ficou no lugar onde o príncipe tinha
de dormir aquela noite. Ora já se tinha passado muito tempo, e a filha do
lavrador tinha tido às escondidas um menino, que estava a criar e era o retrato
do príncipe. Desta vez as coisas passaram-se como da outra, e quando foi pela
manhã cedo, o príncipe disse-lhe que pedisse o que queria, e ela disse que só
queria o cinto que ele usava.
Já se sabe, veio a ter outro menino. Foi ainda uma
terceira vez convidada para um grande arraial, e ela lá se encontrou com o
príncipe sem ele saber que era a filha do lavrador. Desta vez também lhe
perguntou o que é que ela queria, e a moça pediu-lhe o relógio. Passado o tempo
também teve uma menina, que pôs a criar com os outros dois filhos do príncipe.
Um dia disse
ele:
– Filha de
lavrador, vou-me casar. Não queres vir à minha boda?
Ela disse que
não; mas no dia do casamento entrou pelo palácio dentro com os três meninos, um
com a espada, outro com o cinto, e a menina com o relógio. Deixaram-na entrar,
e ela foi para a mesa. O príncipe conheceu aquelas três prendas que dera, sem
saber a quem, e viu que os meninos eram o seu retrato. No fim do jantar disse
que cada um havia de contar a sua história, e que ele é que começaria. Disse
então:
– Um dia um
homem perdeu uma chave de ouro, e arranjou uma de prata para servir-se; mas
aconteceu achar outra vez a chave que tinha perdido, e agora quero que os
senhores me digam de qual delas se deve servir daqui em diante, da de ouro ou
da de prata?
Disseram todos:
– Da chave de
ouro! Da primeira.
O príncipe
levantou-se, e foi buscar a filha do lavrador, que estava a um canto da mesa, e
disse:
– A esta é que
tomo por mulher; e estes infantes são os meus filhos, que eu tinha perdido.
A festa continuou
muito alegre, e dali se foram a receber com grandes alegrias.
Contos Tradicionais do Povo Português por Teófilo Braga
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