sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

CANTO CONTRA A ESPERANÇA




CANTO CONTRA A ESPERANÇA
(do poema inédito A Mulher de luto)


Houve outrora, um palácio, hoje em ruínas,
fundado numa rocha, à beira mar…
donde se avistam lívidas colinas,
e se ouve o vento nos pinhais, pregar.
Houve outrora, um palácio, hoje em ruínas.

Nesse triste palácio inabitável,
as janelas sem vidros, contra os ventos,
batem de noite, em côro miserável,
lembrando gritos, uivos e lamentos.
Nesse triste palácio inabitável.

Só resta uma varanda solitária,
onde medra uma flor que bate o norte,
sacudida da chuva funerária,
lavada de um luar branco de morte.
Só resta uma varanda solitária.

Como nessa varanda apodrecida,
em minha alma uma flor também vegeta,
toda a noite dos ventos sacudida,
inteira, humilde, lírica. Secreta.
Como nessa varanda apodrecida.

Vai tu, ó minha dor, a esse palácio!
e arranca-lhe essa flor… Vai sem tardança!
como um guerreiro audaz do velho Lacio
arranca-a e calca-a aos pés – porque é a Esperança
Vai tu, ó minha dor, a esse palácio!




Gomes Leal - poeta e crítico literário (Lisboa, Portugal, 1848 – 1921).

Imagem: pintura de Gustav Klimt (Áustria, 1862-1918).

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