terça-feira, 13 de dezembro de 2016

CARTA DE ANTERO DE QUENTAL A MARIA AMÁLIA VAZ DE CARVALHO





Carta de Antero de Quental a Maria Amália Vaz de Carvalho


Vila do Conde, 23 de Fevereiro de 1889                          

Exm.ª Amiga:

Li com muito prazer o volume que teve a bondade de me oferecer. O que diz da boa George Sand encantou-me. Tive sempre grande simpatia por aquela perfeita mulher. Os erros que foram os do seu tempo e da sua sociedade, mas as suas virtudes pertenciam-lhe exclusivamente. (…)
Em contraste com o período de refinado egoísmo em que viveu, brilhou sempre nela grande bondade, que por ser filha do coração não era menos inteligente.
Ora a bondade é uma tal potência da natureza humana, que só por isso estou em pôr a nossa boa Sand acima de muitos arrogantes e secos filósofos que dogmatizam por esse mundo.

Também me agradaram as páginas que consagrou ao livro de Feuillet. Mas o que é indubitável é que as ideias modernas estão ainda muito longe de apresentar aquela consistência, unidade e, sobretudo, humanidade indispensável para serem a base segura da educação. Daí facilmente o produzirem monstros e mostrengos.

Havemos de convir em que os mitos, as lendas, os símbolos, numa palavra os sonhos do velho credo, envolvem em si um sentir humano, um elemento psicológico, uma expressão moral que falta em grande medida, senão totalmente, aos nossos naturalismos, determinismos, positivismos e outros.(…)

O homem, minha nobre Amiga, esse famoso “animal racional”, aquilo que de justamente tem menos é de racional, e enquanto se lhe falar só à inteligência consegue-se pouco dele. (…)

O Transcendentalismo tem de ser restaurado, de um feitio ou de outro. Só ele pode satisfazer, ou pelo menos iludir e entreter as desmedidas aspirações, as ambições e esperanças incorrigíveis do coração humano. Sem isso, receio que, apesar de toda a ciência que já há, e de muita que se há-de ir ainda produzindo e acumulando (coisa aliás excelente e até indispensável), o bípede (…) não tenha outra alternativa, para não cair numa soez mediocridade, senão a de uma maldade diabólica.

Beija as mãos de V. Ex.ª o seu amigo muito sincero.

Antero de Quental




Antero de Quental (Ponta Delgada, Açores, Portugal, 1842 – 1891).
Poeta, filósofo e político, licenciado em Direito.

Maria Amália Vaz de Carvalho (Lisboa, Portugal, 1847 – 1921).
Poetisa, contista, ensaísta.





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