Carta de Antero de Quental
a Maria Amália Vaz de Carvalho
Vila do Conde, 23 de Fevereiro de 1889
Exm.ª Amiga:
Li com muito prazer o volume que teve a bondade de me
oferecer. O que diz da boa George Sand encantou-me. Tive sempre grande simpatia
por aquela perfeita mulher. Os erros que foram os do seu tempo e da sua
sociedade, mas as suas virtudes pertenciam-lhe exclusivamente. (…)
Em contraste com o período de refinado egoísmo em que viveu, brilhou sempre
nela grande bondade, que por ser filha do coração não era menos inteligente.
Ora a bondade é uma tal potência da natureza humana,
que só por isso estou em pôr a nossa boa Sand acima de muitos arrogantes e
secos filósofos que dogmatizam por esse mundo.
Também me agradaram as páginas que consagrou ao livro
de Feuillet. Mas o que é indubitável é que as ideias modernas estão ainda muito
longe de apresentar aquela consistência, unidade e, sobretudo, humanidade
indispensável para serem a base segura da educação. Daí facilmente o produzirem
monstros e mostrengos.
Havemos de convir em que os mitos, as lendas, os
símbolos, numa palavra os sonhos do velho credo, envolvem em si um sentir
humano, um elemento psicológico, uma expressão moral que falta em grande medida,
senão totalmente, aos nossos naturalismos, determinismos, positivismos e
outros.(…)
O homem, minha nobre Amiga, esse famoso “animal racional”, aquilo que de
justamente tem menos é de racional, e enquanto se lhe falar só à inteligência
consegue-se pouco dele. (…)
O Transcendentalismo tem de ser restaurado, de um feitio ou de outro. Só ele
pode satisfazer, ou pelo menos iludir e entreter as desmedidas aspirações, as
ambições e esperanças incorrigíveis do coração humano. Sem isso, receio que,
apesar de toda a ciência que já há, e de muita que se há-de ir ainda produzindo
e acumulando (coisa aliás excelente e até indispensável), o bípede (…) não
tenha outra alternativa, para não cair numa soez mediocridade, senão a de uma
maldade diabólica.
Beija as mãos de V. Ex.ª o seu amigo muito sincero.
Antero de Quental
Antero de Quental (Ponta Delgada, Açores, Portugal, 1842 – 1891).
Poeta, filósofo e político, licenciado em Direito.
Poeta, filósofo e político, licenciado em Direito.
Maria Amália Vaz de
Carvalho (Lisboa, Portugal, 1847 – 1921).
Poetisa, contista, ensaísta.
Poetisa, contista, ensaísta.
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