O
Dinheiro Não Traz Felicidade
Só e triste vivia o pobre
marceneiro. Sem parentes, morava ele na sua loja humilde, trabalhando dia e
noite para ganhar o que mal lhe bastava para sustentar-se. Mesmo assim, porém,
conseguia economizar cinquenta cruzeiros cada mês. No fim do ano, com 600
cruzeiros juntos, lá ia ele para a lotaria e comprava um bilhete inteiro.
Os
que sabiam de sua mania riam dele, mas ele acreditava que era através da lotaria
e não do trabalho que iria fazer-se independente.
E assim foi. No quinto ano de
sua insistência junto à lotaria, esta lhe deu cem mil contos. Surgiram
fotógrafos e repórteres dos jornais, surgiram os amigos para participar do
jantar que ele ofereceu para comemorar sua sorte. Fechou imediatamente a loja
e, daí em diante, sua vida foi uma festa contínua. Saía em passeios de lancha
pela manhã, à tarde ia para os bares, à noite para as boites e cabarés, sempre cercado por amigos entusiásticos e
senhoras entusiasmadíssimas.
Mas, está visto, no meio de tanta entusiasmo, o
dinheiro não durou um ano. E, certo dia, vestido de novo com suas roupas
humildes, o nosso marceneiro voltou a abrir sua humilde loja para cair de novo no
seu trabalho estafante e monótono.
Voltou a economizar seus cinquenta cruzeiros
por mês, aparentemente mais por hábito do que por desejo de voltar a tirar a
sorte grande, o que, aliás, parecia impossível.
Os conhecidos continuavam
zombando dele, agora afirmando-lhe que a oportunidade não bate duas vezes. No
caso de nosso marceneiro, porém, ela abriu uma excepção. Pois no terceiro ano
em que comprava o bilhete, novamente foi assaltado pelos amigos e repórteres
que, numa algazarra incrível, festejavam sua estupenda sorte.
Mas, desta vez, o
marceneiro não ficou contente como quando foi sorteado pela primeira vez. Olhou
para os amigos e jornalistas com ar triste e murmurou: " Deus do céu; vou
ter que passar por tudo aquilo outra vez!?"
Moral: Para muita gente dá um certo cansaço ter que
comparecer à festa da vida.
Millôr Fernandes, escritor, poeta, humorista, dramaturgo, jornalista (Rio de Janeiro, Brasil, 1923 – 2012), in “Pif-Paf”.
Imagem:pintura de Van Gogh (Holanda,
1853 – França,1890).
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