A PROSÁPIA
É
verdadeiramente o que se pode chamar - a
fruta do tempo.
Não está sujeita à cronologia.
A
seiva anima esta planta em qualquer das quatro estações do ano, e assim, floresce
sempre, dá fruto sempre, e, como erva ruim, nem é estiolada pelas geadas do
inverno, nem crestada pelas ardências do sol de verão.
Por
isso lhe chamamos a fruta do tempo, à
falta de melhor símbolo.
A
Prosápia anda ali a flanar na loja do
F...
Passou
agora mesmo naquela praça...
Está
ali dentro do grémio...
E
na casa do...
Todos
os dias dá os seus passeios, à tarde, e vem depois dar fundo na farmácia do
largo da...
Vai
aos bailes.. . Vai aos teatros… É fruto que até se deita e não está bem averiguado
se ressona.
Sabe-se
que sonha; e sobretudo que ronca.
Dá
saltos como qualquer bola de borracha; cambalhotas como qualquer gafanhoto, e,
sempre com a mesma disposição de alegria e jactância (qualidades estranhas em
frutos…) ela procura impor-se a si
mesmo, o que afinal equivale dizer que procura impor-se aos outros.
Toda
a gente é ministro!
Toda
a gente é magistrado!
Toda
a gente é médico!
Toda
a gente é engenheiro!
Toda
a gente é jornalista!
Toda
a gente é um músico!
Toda a gente é um doutor!
A
Prosápia censura tudo; prevê o imprevisto; conhece o desconhecido; pondera o imponderável,
estigmatizando o que os outros fazem e não o faz melhor.
A
Prosápia!
É
pior este fruto do que a maçã-de-adão.
Nesse
ainda houve um não sei quê de bom.
Na
Prosápia não há nada que se aproveite.
Talvez
a única causa boa que tenha produzido seja o dar-me ensejo à aplicação desta coça.
Não
seja, porém, isto bater em mim mesmo...
Ah!
Thackeray, Thackcray, tu é que nos compreendes!
Tu
é que nos sabes avaliar, porque somos talvez um produto da tua imaginação - convertido
na realidade da lua observação...
Mas
. . .
Que ao menos tenhamos também um pouco de bom, como a maçã do Paraíso, - que ao menos nos saibamos conhecer, que saibamos ao menos conhecer os outros!
E
no íntimo - já que o mal é epidemia - que nós tenhamos uma Prosápia, sim, mas
com qualquer quê de bom... Thackeray … Thackeray !
- O que vai lá pela outra,
vida?...
ANTERO DA VEIGA (Arganil, Portugal, 1866 – Anadia, 1960)
in
“A Farça ”–1910.
Imagem: pintura de WALTER CRANE (Inglaterra, (1845-1915).
Publicação nº 1237
Publicação nº 1237
Felicito o Autor deste texto, por conhecer bem a natureza humana, a qual pouco mudou no decurso dos milénios que nos separam do homem das cavernas.
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