MÁRIO
SOARES
(Lisboa,
Portugal, 7 de Dezembro de 1924 - 7 de Janeiro de 2017
«Mário Soares é,
historicamente, a expressão e a versão mais consensual do ideal democrático
trazido pela revolução de Abril.
Ao longo deste quarto de século, à contre-coeur, a fina flor do antigo
regime ou dos seus herdeiros, depois de se abrigar debaixo do seu vasto manto
democrático, adoptou-o, ou tentou adoptá-lo a si. Era menos fácil do que
julgava. Caiu do céu quando descobriu que o ex-Presidente da República não era
tão “suprapartidário”, quer dizer, para ela, tão pouco “25 de Abril”, como
sempre o desejou. Queria-o na gaiola dourada do suprapartidarismo, o círculo
quadrado da Democracia. Daí o alvoroço de todos os gansos do Capitólio,
nostálgicos do antigo unanimismo.
Em suma, todos quantos durante este quarto de
século só aceitaram Abril como pesadelo provisório, sentiram-se defraudados por
esta escolha imprevisível e inconcebível, para eles, de Mário Soares.
A idolatria
e a vampirização do antigo autor do Portugal Amordaçado converteu-se, num
ápice, em deploração e tristeza. Declaram que se diminuía, que perdia o
estatuto “paternal” que reservam sempre ao símbolo da Pátria.
Felizmente, Mário
Soares é um pássaro livre. Nem cabe na gaiola portuguesa. E resolveu até
levá-la para a Europa, para que a Europa esteja um pouco mais perto de um Portugal
onde, há 25 anos, apesar de todas as desilusões, aconteceu alguma coisa de que
vale a pena lembrar-nos».
Texto (escrito em 1999) de EDUARDO LOURENÇO (Almeida,
Guarda, Portugal, 1923), professor e filósofo.
Imagem: JÚLIO POMAR,
retrato oficial do presidente Mário Soares. Museu da Presidência da República.
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Deve-se ao Presidente
Mário Soares o gesto de renovar a galeria de retratos, ao encomendar o seu a
Júlio Pomar. Depois de Columbano, foi a primeira vez que um grande artista pôde
entrar neste espaço simbólico. Mas, ao contrário de Columbano, Pomar é um
pintor rebelde, mergulhado numa reflexão produtiva sobre a arte do século XX
cujas heranças selecciona, glosa e recria, com comovente e qualificadíssima
paixão. Por isso, ao encomendar-lhe o retrato de um Presidente da República,
Mário Soares sabia que não poderia esperar uma obra convencional, voltada para
uma inexistente e inexpressiva eternidade.
A obra final, livre e
libertária, retrata, com argúcia, o homem sem nenhuma preocupação de celebrar o
Presidente. É, evidentemente, uma revolução na galeria de retratos, enunciando
as circunstâncias incontornáveis em que ela deve prosseguir: pela escolha de
grandes artistas, de percurso inquestionável entre os seus pares e a crítica
especializada, que tenham gosto pelo retrato, concedendo-lhes plena liberdade
de trabalho, confiando no diálogo, real ou imaginado, que o artista sempre
estabelece com o seu modelo.
in “Museu da
Presidência da República”
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Palavras
de
Mário Soares
“Os
Estados não se avaliam pelo dinheiro que têm, mas sim pela sua história e pela
sua gente. Nesse sentido, Portugal não pode ser considerado um País pobre, bem
pelo contrário.”
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“Gostava
que os partidos de esquerda se entendessem, mas não quero pedir tanto... Talvez
um dia seja possível. Lembro uma coisa: os social-democratas e os comunistas
alemães passavam a vida a discordar e a discutir quando apareceu o Hitler.
Acabaram todos em campos de concentração. Temos de pensar nisso.” (Maio/2013)
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Cultura
e consciência
Sempre tive a paixão pelo
cinema. Gostava pelo imaginário que dá o cinema, pelas actrizes, pelos actores.
Tirando os períodos de cadeia, em que não podia ir, ia ao cinema uma, duas,
três vezes por semana. Como os meus pais me davam dinheiro, ia. O cinema era
uma fonte de diversão, naquela altura em que as pessoas iam todas.
Conversávamos entre nós, depois íamos tomar uma cerveja e discutíamos o filme
até altas horas.
***
Quando era jovem, os meus
amigos foram os expoentes máximos do neo-realismo – e não foi por acaso. O
Mário Dionísio era o teórico no neo-realismo, o Júlio Pomar, na altura, era
neo-realista, os outros pintores que eram meus amigos estavam mais ou menos
nessa linha.
Depois, os escritores: o Fernando Namora, o Carlos de Oliveira, o
Manuel da Fonseca, o Joaquim Namorado, o Alves Redol, o Soeiro Pereira Gomes,
toda essa gente, foram todos da minha privança íntima. É toda a escola
neo-realista.
***
Conheci o Jorge Amado e a
mulher em Paris, no hotelzinho. Conheci, ao mesmo tempo, um grande escritor
cubano que vivia lá. Havia um conjunto de escritores de vários países do mundo
que comecei a conhecer. Por exemplo. O Gabriel García Márquez, de quem fui
amigo, embora tivesse tido grandes discussões com ele por causa do Fidel de
Castro. Mas só conheci o Gabriel García Márquez depois do meu exílio, nos anos
70. Como conheci o grande escritor peruano Vargas Llosa, ou o mexicano Carlos
Fuentes.
***
Acredito profundamente que
cada ser humano tem consciência. Porque é que temos o senso do bem e do mal?
Porque é que temos o sentido do belo? Vale a pena acreditar na consciência das
pessoas. As pessoas, mesmo que nos façam uma grande malandrice, têm consciência
que a fizeram. Às vezes querem emendar a mão e é preciso dar-lhes a segunda
oportunidade. Esta é a minha noção do relacionamento com as pessoas.
A minha
mulher costuma dizer: «Não te lembras do que ele já disse de ti? Esse tipo
disse de ti coisas horríveis.»
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Eu tenho uma crença que
não se explica racionalmente, mas que é profunda: acredito no homem, acredito
no progresso do homem, acredito na consciência.
***
Não gosto muito das
pessoas pretensiosas, nem das pessoas que se fazem passar por uma coisa que não
são. Como gosto das pessoas em geral, procuro sempre, mesmo nas pessoas más, ou
nas que são uns trastes, tirar o que há de bom nelas. Todas as pessoas têm
coisas boas e coisas más, tudo depende da percentagem.
O Miterrand dividia as
pessoas em duas categorias: aquelas que achava inteligentes, cultas e
interessantes, com as quais tinha grandes atenções, uma amizade requintada
(tive a sorte de ter sido metido por ele nessa categoria e de ser seu amigo até
ao fim da vida). Em relação às outras era de uma altivez, de uma incompreensão,
de um desprezo que para mim eram chocantes. Eu não tenho isso.
Evidentemente
que sei muito bem distinguir aquilo que são jóias em estado puro, de pureza
interna, e aquilo que são pessoas mesquinhas, pobres de espírito, intriguistas,
bajuladoras – não gosto dos bajuladores! Mas mesmo nessas pessoas há coisas boas.
E pode retirar-se delas o que há de melhor. Isso é bom para nós, que fazemos essa
experiência humana, e elas também ficam gratas por isso.
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O fanatismo é a pior coisa
que existe. Em tudo, na religião, em todas as religiões, e também na política. Fanatismo
e intolerância, as pessoas estarem convencidas de que têm a verdade no colete, saberem
meia dúzia de coisas disto, daquilo, do que for, e não saberem de mais nada, e estarem
convencidos de que aquilo é a Bíblia, a verdade absoluta. Isso, realmente, é o fanatismo,
é o mal.
Entrevista de: Anabela Mota
Ribeiro, Elsa Páscoa e Maria Jorge Costa, in “MÁRIO SOARES – O QUE FALTA DIZER” (2005)
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Poema escrito por Mário
Soares, em 1962, na cadeia do Aljube, em Lisboa, para a mulher, Maria Barroso,
com quem casou em 1949:
Para
ti, meu amor
Para ti
Meu amor
Levanto a voz
No silêncio
Desta solidão em que me encontro
Sei que gostas de ouvir
A minha voz
Feita de palavras ternas e doces
Que invento para ti
Nos momentos calmos
Em que estamos sós
Sei que me ouves
Agora…
… uma vez mais
Apesar da distância
E do silêncio
Opera esse milagre
Simples
Como
tudo o que é natural
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Palavras
de
Maria Barroso
“Quando
vejo o meu marido, vejo exactamente o mesmo homem que conheci há 70 anos. Com a
mesma ternura, a mesma simpatia e a mesma admiração por tudo o que foi a sua
vida. E sem perder a independência de termos várias vezes opiniões diferentes.
Respeitámo-nos sempre.”
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“Gosta
muito de pataniscas com feijão-frade. Aos domingos costumamos fazer cozido à portuguesa.
Ele gosta de carne e eu não como carne. Mas gosto muito quando ele gosta.”
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