NO
PAÍS DOS SACANAS
Que
adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos
os são, mesmo os melhores, às suas horas,
e
todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não
há mesmo melhor do que uma sacanice
para
poder funcionar fraternalmente
a
humidade de próstata ou das glândulas lacrimais,
para
além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em
que tanto se dividem e afinal se irmanam.
Dizer-se
que é de heróis e santos o país,
a
ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para
quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos
e sacaneados é que foram disso?
Não,
o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas
claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque
no país dos sacanas, ninguém pode entender
que
a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça,
a bondade, etc., etc., sejam
outra
coisa que não patifaria de sacanas refinados
a
um ponto que os mais não são capazes de atingir.
No
país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não,
que toda a gente já é pelo menos dois.
Como
ser-se então nesse país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia. Mas isso foi
no teatro, e o gajo morreu na mesma.
JORGE DE SENA (Lisboa, Portugal, 1919 — Santa Bárbara,
Califórnia, EUA, 1919), poeta, crítico, ensaísta, dramaturgo, tradutor e
professor universitário.
Imagem: escultura do artista catalão Josep Maria
Subirachs (1927- 2014).
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