terça-feira, 24 de janeiro de 2017

RAUL PROENÇA - Tradições





RAUL PROENÇA
(Caldas da Rainha, Portugal, 1884 – Porto, 1941)

Escritor, bibliotecário e jornalista


TRADIÇÕES

Tradições, no nosso país, são o empenho, a falta de iniciativa, de solidariedade, de coragem moral, o egoísmo dos homens de fortuna (que se sentem socialmente desobrigados quando deixam seus bens intactos ou acrescidos), o direito que cada um se reconhece, que lhe reconhecem os tribunais, de desatar aos tiros à autoridade legítima, porque não concorda com a maneira como ela decretou, por exemplo, sobre o aguilhão dos bois… 

Devemos amar, respeitar, consagrar, perpetuar essas tradições (que o são inegavelmente), só porque são tradições? O dever do mestre não consistiria – ao contrário do que pretende Barrès – em mostrar a sua fealdade, o seu dano, a sua ilegitimidade? Poderemos ter algum prazer ou alguma glória em continuar a ver desenrolar-se a «procissão nacional» dos subservientes, dos apáticos, dos pusilânimes, dos egoístas, dos inadaptados a toda a ordem social? 

Bons ou maus, os nossos gostos são nossos – prega Maurras. Que se diria, porém, de um pai que desejasse conservar os vícios dos seus filhos pelo fútil motivo de que são deles e não doutro? Decerto que a hipótese da loucura nos acudiria ao espírito. 

Contrariar os vícios nacionais – pode lá haver programa mais sensato, mais útil, mais benemerente de educação nacional?



in “Seara Nova” - 1929 

Imagem: Raul Proença por Carlos Botelho (Lisboa, 1899 -1982)




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