sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

A NECESSIDADE DA POESIA





A NECESSIDADE DA POESIA


Jean Cassou afirma que a poesia é «a mais perfeita expressão do homem, a sua mais alta operação espiritual» e que o seu fim «é explicar o homem, acompanhá-lo, exaltá-lo no decurso da sua prodigiosa ascensão».

À grandeza das contradições desta «prodigiosa ascensão» não pode deixar de opor a poesia o seu rosto resplandecente ainda que torturado, rosto onde se reflecte e reconhece, nos seus abismais delírios, nas suas fugas, nas suas vitórias e derrotas, a vida dramática do homem que a todo o custo procura humanizar o mundo, mudar a vida.

A poesia confronta-se à luz crua e radical da tragédia, supera-a e, no mais aceso da luta, na tensão máxima das contradições, é ela que promete e afiança a síntese em que todos os valores do homem se possam encontrar sem sacrifícios mutiladores. 

Como no mito de Anteu, está ligada à terra dos homens para atingir os mais altos momentos do humano em que a vida é criação, potência, pura virtualidade, vibração do desejo decantado, catarses.
O seu fim é eminentemente social mesmo quando a sua mensagem é pessimista. 

É René Bertelé quem, num seu conhecido ensaio sobre Henri Michaux, repete a crença num «pessimismo tónico». E diz-nos da finalidade social da poesia: «dar força ao homem, permitir-lhe agir sobre o mundo». 

Desenvolvendo todas as leis da imaginação, reivindicando a sua difícil singularidade, exaltando-a para melhor e mais concretamente se integrar no universal - é assim que o poeta age. Já em alguns poetas a poesia ultrapassa o estádio de recusa de um mundo convencional (fase destrutiva mas necessária, cujo perigo consistia em levar a negação a extremos onde o humano se dissolvia) - e uma nova poesia surge lucidamente empenhada na epopeia do nosso tempo, revalorizando tudo o que une essencialmente os homens, vivendo da comunhão dos grandes ideais, toda voltada para o futuro e a esperança. 

Sob o signo da angústia ou da esperança – que tantas vezes se fundem no poema - o certo é que o poeta procura sempre afirmar a sua diferença, a originalidade do seu canto, numa relação válida com o universo, definida como experiência.

Nada tem a ver a poesia com a ficção homem comum. A sua condição de «a mais alta operação espiritual» obriga-a ao desenvolvimento máximo das faculdades humanas, na sua maioria amortecidas pela existência degradante. 

Não pode haver razões de ordem social que limitem a altitude ou a profundidade dum universo poético, que se oponham à liberdade de pesquisa e apropriação dum conteúdo cuja complexidade exige novas formas, o ir-até-ao-fim das possibilidades criadoras e expressivas - porque a poesia e a arte também obedecem a um princípio de extensão. Livre, é a palavra mais querida dos poetas, a mais vital para a poesia.

Atentos à multiplicidade do real e à maravilhosa diversidade dos destinos poéticos, a nossa posição é a da total isenção a tudo quanto a poesia der voz e pela poesia se realizar. Nosso primeiro critério: o da autenticidade.

Renegando a gratuitidade como intenção (e não como resultado lúdico do momento criador), consideramos a superior necessidade da poesia tanto no plano da criação como no da demanda social. 

Lutando pela dignificação da nossa condição de poetas, não esqueceremos nunca que o sentido da verdadeira poesia é o da «prodigiosa ascensão do homem». O misterioso triunfo dos versos só se estabelece quando as forças da vida subjugam as da morte - quando a poesia é uma perpétua conquista.


in “Árvore: folhas de poesia” – 1951
Imagem: pintura de Joan Miró (Espanha, 1893 – 1983)

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