MAXIMO GORKI E LEON TOLSTOI
«Todos
os homens que lutam pela vida e estão sujeitos às suas contingências são mais filósofos
do que Schopenhauer porque jamais uma ideia abstracta tomará uma forma tão
precisa como a que a dor arranca d'um cérebro».
Estas
palavras, que o punho de Gorki atirou pelo caminho dos Vagabundos fora, são a síntese da sua obra e da sua autobiografia.
Tolstoi
é evidentemente um demolidor... místico, mas a sua dor, a dor que descreve, não
sangra como a dor humana, é aprendida de cor.
Entre
Tolstoi e Gorki há a distância que vai d'um homem que dá a sua fortuna voluntariamente,
a outro que nunca a teve, d'um homem que se abstém, a outro que necessita, d'um
homem que tem um sofá e se deita no chão, a outro que é forçado a dormir ao
relento sobre uma fraga ou sobre a terra alagada.
Tolstoi
sabe que há desgraçados, como um confessor em cujo coração os infelizes vão
transvasar as suas amarguras.
Gorki
é um próprio, um autêntico membro d'essa família de espoliados e espesinhados.
E
da sua condição nasce o alto valor da sua obra.
É
uma obra literária?
De
modo nenhum!
Tem
durezas e na sobriedade do descritivo e do ritmo se vê que o autor não se
sentou á banca com os punhos de renda de Buffon ou os cigarros doirados indispensáveis
aos semicúpios poéticos d'esse sacristão político que dá nas várias avenidas Friveland
pela alcunha de François Copée.
Gorki
não vem da Academia; Gorki vem da miséria, d'esse pântano cristalino onde
«tudo é corrupto, é certo» - diz ele- «mas onde tudo é também sincero e simples
».
Na
literatura de Maximo não há essa forma construída de orquestrações sensuais dos
in 8.º Jesus da vitrine francesa; não
se tropeça com os requintes arqueológicos dos dramaturgos portugueses, meros repórteres
da malandragem histórica– ali ouve-se, vê-se apenas, nua e crua, a grande Dor Humana.
E
tanto assim que as multidões moscovitas não elegeram para símbolo das suas
remetidas outro senão esse vagabundo de génio que é Gorki.
Na
literatura dum país, como Portugal, em que toda a gente vive a pedir um cigarro
ao amigo, para não pedir dinheiro emprestado até para fumar, Gorki seria um escândalo.
A
justificação da obra de Gorki está evidentemente na sua vida.
Mas
nenhum valor teria Máximo se todos os homens que veem da sargeta tivessem a
franca coragem de pintar a sarjeta.
Ele
pinta-a, e pinta-a com a veemência e a verdade que só os depoimentos das
pessoas dão.
Por
isso mesmo, Gorki tem assegurado o amor, a estima fraternal de todos os que, como
eu, apesar destas luvas e deste chapéu alto que são o meu apêndice caudal da
civilização, - amam profundamente, fraternalmente o povo.
E
o Povo é igual em toda a parte, na Rússia e na América, na França ou na Itália,
em Londres ou no Carvalhido ou aqui em Xabregas.
JOAQUIM LEITÃO, in “Luz e Vida” – revista de Sociologia, Arte e Crítica - 1905
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