Gonçalo Anes Bandarra (Trancoso, Portugal, 1500 – 1566)
Espécie de profeta ou pseudoprofeta, pensa.se que
terão sido os livros escatológicos da Bíblia que despertaram nele uma certa
tendência iluminista para interpretar os acontecimentos desastrosos do seu tempo. Mas foi,
sobretudo, a partir das suas exegeses
peregrinantes, feitas em círculos ocultistas, especialmente em Lisboa, que o Santo Ofício se começou a
preocupar com ele, obrigando-o a tomar parte na procissão do culto-de-fé de 23
de Outubro de 1541.
As suas Trovas, embora proibidas pela Inquisição, incluídas no Catálogo
dos Livros Proibidos (1581), e condenadas pela Mesa Censória, nem mesmo
assim deixaram de circular, clandestinamente, acabando, finalmente, por serem
editadas em Nantes, pelo marquês de Nisa, no ano de 1644.
Foram especialmente os judeus os que, vítimas de
maiores perseguições pela Inquisição, lhe atribuíram um alcance transcendente
que elas não tinham. E paralelamente com os judeus, os graves cataclismos
religiosos e político-sociais da Reforma e Contra Reforma, a crise dinástica
durante a menoridade de D. Sebastião e a consequente perda da independência,
com a sua morte em Alcácer Quibir, etc.
Tudo isto tendo contribuído para que as referidas Trovas
abrissem caminho através do país inteiro, com a aquiescência, não só dos
espíritos incultos, mas, inclusive, de grandes figuras do pensamento, como é o
caso do Padre António Vieira, transformando-se num elemento catalisador de
preocupações psicossociais e de mitificação nacional, acobertada pela capa do
misticismo religioso.
Os restos do poeta-sapateiro Bandarra encontram-se
depositados na igreja de S. Pedro, de Trancoso, numa sepultura com epitáfio,
mandada levantar em 1641 pelo governador das Armas da Beira, D. Álvaro
Abranches.
Fonte: Literatura Portuguesa
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Palavras
de Bandarra:
Sou
sapateiro, mas nobre
Com bem
pouco cabedal;
E tu,
triste Portugal,
Quanto mais rico, mais pobre
Em dois
sítios me achareis,
Por
desgraça ou por ventura:
Os
ossos na sepultura,
A alma, nestes papéis.
Algumas
trovas de Bandarra:
Os
tempos com crueldade
Começar-se
hão a mover,
Se me
não engana a verdade
Ali
perderão seo ser
No meio de certa idade.
Virà
gozando de paz
Aquelle
pastor valente,
Hum
lobo que guerra faz
Moverà
toda a gente
Com huma limgua sagaz.
Jà vejo
que se desterra
Este
pastor sem ventura,
Da
patria rebanho, e terra
A huma
larga Sepultura
De huma frondoza serra.
Serà
pastor estrangeiro
O que
reja o manço gado
Que taõ
bravo foi primeiro
Mas ai
que falta o malhado
Que era o principal Carneiro.
Haverà
em triste Cidade
Grande
fome peste, e guerra,
Que a
Escritura a não erra
Que em tudo falla verdade,
Imagem:
Estátua de Bandarra em Trancoso, Portugal
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