Luiz
Pacheco (Lisboa, Portugal,
1925 – Montijo, Portugal, 2008).
Escritor, editor e crítico
literário, foi um homem de personalidade invulgar. Irreverente, culto,
livre-pensador. É uma das personalidades destacadas da literatura do século XX.
É considerado um escritor maldito.
Cesariny
versus Breton
Cesariny queixa-se que
França é larápio porque lhe roubou a ideia de ter ido a Paris cheirar o rabo do
Breton. Diz que quando lá chegou o rabo do Breton já estava tão cheirado pelo
França que mesmo muito espremido não conseguiu arrancar-lhe o mais pequeno traque
de surrealismo para trazer para Portugal.
Quando chegou a Lisboa já
António Pedro implantara o Surrealismo Minhoto…
Estas e outras alegações
se podiam ler num panfleto lançado, distribuído em Lisboa nos anos 50.
Semianónimo: porque assinado por Delfim da Costa, dito o Cangalheiro da Cidade, que um investigador do Porto, Petrus,
afirmava mais tarde ser um tal Margarido, escritor angolano pouco conhecido.
O episódio ali referido,
ter Cesariny ido a Paris contactar André Breton e este ter-lhe dado com a porta
na cara, é, porém, histórico.
Alertado por uma denúncia
muito feia, vinda do A. Pedro, Breton encheu-se de pruridos machistas e não
quis receber o jovem poeta português, ao tempo quase uma criança. Insólitos
preconceitos! Principalmente, em quem tanto defendia o Amor Louco! Cesariny
nunca lhe perdoou, era o que faltava.
Meio século a jurar
vingança, viu-se na semana passada a resultante: Cesariny vem para o Instituto
Franco-Português afirmar que «o limite do surrealismo, como dizia Breton, era
sair à rua e matar toda a gente.»
Com toda a franqueza, não
sei onde ele foi buscar essa: MATAR TODA A GENTE… Acho muito exagerado. Não
será confusão com Alfred Jarry (Quando me tiver apoderado de todo o capital,
matarei toda a gente e ir-me-ei embora)?
Mas o verdadeiro perigo
não estará no Breton, morto e enterrado há que séculos, nem no Alface e na D.
Agustina, que por estarem vivos são um sinal seguro de surrealismo lisboeta.
O perigo está no próprio
Cesariny, confesso admirador do terrorismo e das Brigadas Baader-Meinhoff. À
beira dos 80 anos, que tem ele a perder? Nada. Vai daí, apetece-lhe executar o
velho desiderato: sair à rua e descarregar o revólver sobre a multidão, a
matança, gratuita, o acto surrealista mais simples. Meu Deus, meu Deus, o
senhor ministro Alberto Costa tem de tomar rápidas providências porque vão
começar a rolar cabeças.
Luiz
Pacheco, in “Diário Económico”, Lisboa, 29 de Maio 1996.
Publicado no livro do autor, Figuras,
Figurantes e Figurões.
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